DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0103-6351/4921

A grande estratégia do Império português: D. Luís da Cunha e as origens do reformismo ilustrado luso-brasileiro

The great strategy of the Portuguese empire: D. Luís da Cunha and the origins of the Luso-Brazilian enlightened reformism

Nelson Mendes Cantarino (1)

Fernando Ribeiro Leite Neto (2)

Abstract

The article presents the reform proposals of D. Luís da Cunha (1662-1749) in the context of the transition from the seventeenth cen-tury to the eighteenth century in Portugal. For this, the article begins with the contex-tualization of the changes in the balance of power and political thought associated with the emergence of Great Britain as the cen-tralizing Empire of the events of the 18th century. In this transition, important intel-lectual developments are in process, for example the rise of the Political Economy as an autonomous discipline and its relevance to the management of the interests of the Kingdom and the Empire. It follows with the characterization of the proposed reforms made by D. Luís da Cunha which aimed at raising the relative power of Portugal. In this way, D. Luís enumerates the need to increase the population contingent both in the Kingdom and in the areas of the sea, to facilitate the flow of goods and coins, to reduce certain privileges and even to review the statutes of the Inquisition.

Keywords

Portugal, mercantilism, D. Luís da Cunha.

JEL Codes B11, B31.

Resumo

Este artigo apresenta as propostas de reformas de D. Luís da Cunha (1662-1749) no contexto da transição do Seiscentos para o Setecentos no Império português. Para tanto, o artigo principia com a contextualização das mudanças no balanço de poder e no pensamento político associadas à emergência da Grã-Bretanha como Império cen-tralizador dos eventos do século XVIII. Nessa transição importantes desdobramentos intelectuais estão em processo como, por exemplo, a ascensão da Economia Política como disciplina autônoma e sua relevância para a gestão dos interesses do Reino e do Império. Segue-se com a caracteriza-ção das reformas propostas por D. Luís da Cunha que visavam, em linha com a tradição mercantilis-ta, elevar o poder relativo de Portugal. Dessa forma, D. Luís elenca a necessidade de incrementar o contingente populacional, seja no Reino, seja nos domínios de ultramar, facilitar os fluxos de mer-cadorias e de moedas, reduzir certos privilégios e, até mesmo, de rever os estatutos da Inquisição.

Palavras-chave

Portugal, mercantilismo, D. Luís da Cunha.

Códigos JEL B11, B31.

O alvorecer do século XVIII trouxe novos dilemas para Portugal. Com a consolidação do poder econômico e marítimo da Grã-Bretanha, uma ques-tão central se impôs sobre a Coroa portuguesa. Como assegurar a seguran-ça e a integridade imperial em uma situação na qual Lisboa deve posicio-nar-se frente a pressões das quais não tem autonomia de decisão? Nesse contexto, será que os portugueses criaram e seguiram uma estratégia para garantir a soberania e a integridade do Império em meio às turbulências que se desdobram entre a Revolução Gloriosa (1688) e a Guerra dos Sete Anos (1756-1763)?

A primeira observação que devemos fazer é que grandes estratégias nem sempre são agressivas nem implicam meramente atividades bélicas. Todas abrangem, todavia, as decisões de um determinado Estado sobre a sua segurança e supõem a integração de objetivos gerais políticos, eco-nômicos e militares. As estratégias globais devem ser analisadas antes de tudo por seus custos políticos e econômicos e pelo uso da diplomacia, da aplicação da força e do uso de “incentivos”, que podem ser subvenções, mercês e presentes. As estratégias mais eficazes fazem apenas o indispen-sável para derrotar e dissuadir aqueles que lhes ameaçam, recorrendo não apenas à dissuasão, mas também à propaganda e ao engano.1

Como estabelecer uma economia próspera capaz de permitir uma posi-ção autônoma de Lisboa frente à competição entre os Estados modernos? Esses eram os objetivos de D. Luís da Cunha (1662-1749). Ministro pleni-potenciário e embaixador, Cunha foi um observador astuto posicionado em cortes europeias de destaque: Londres, Haia e Paris, entre outras. Em suas missões escreveu memórias e pareceres comparando as políticas eco-nômicas de outros poderes europeus com o potencial português, sempre buscando compreender como o comércio, a diplomacia e o poder militar podiam ser condensados em uma grande estratégia.

Este artigo objetiva reconstituir a abrangência das propostas de D. Luís da Cunha. Para tanto, em primeiro lugar, deve-se ter em mente o contexto de transformações no qual D. Luís estava escrevendo bem como os dile-

1 Acerca do conceito de grande estratégia, seus usos e exemplos, seguimos a abordagem de LUTTWAK (1976, 2009), apresentada em dois ensaios: “The Grand Strategy of the Roman Empire. From the First Century A. D. to the Third”; “The Grand Strategy of the Byzantine Empire”. Para os dilemas estratégicos de uma monarquia ibérica na Idade Moderna a referên-cia óbvia é o ensaio de PARKER (2000).

mas que a Coroa portuguesa enfrentava. Essa é a temática da primeira parte do artigo. Depois, apresenta-se o contexto do reformismo ilustrado português no limiar do Setecentos e comenta-se o papel dos estrangeirados no debate intelectual do período. As propostas reformistas de D. Luís da Cunha são apresentadas na seção que antecede as considerações finais.

(…) the Theory of Trade is a Princely Science, and the true Regulation of it the Key of Empire (WOOD, William. A Survey of Trade, 1718).2

O financiamento do poder estatal e a administração próspera de seus re-cursos são fundamentais para a manutenção da paz e da ordem pública, pois viabilizam as ações da autoridade constituída. O apaziguamento para disputas internas que a economia política – a administração pública dos en-cargos e necessidades do Estado – trouxe para as monarquias modernas, no entanto, acarretou uma visão do futuro como uma competição global entre Estados comerciais. Já para meados do século XVII, a interdepen-dência da política com a economia, pela primeira vez, tornou-se o tópico central da teoria dos governos, pois ficou óbvio para os contemporâneos que o sucesso no comércio internacional era determinante para a manu-tenção militar e política dos Estados soberanos. Assim, a direção do pro-cesso econômico tornou-se política, direcionada pela autoridade pública e pelos grupos sociais que lhe davam sustentação. Estava implícita na polí-tica moderna a ideia de que a lógica do comércio estava interligada com a dinâmica da guerra. Esse é o contexto da Jealousy of trade, momento em que todo o globo transforma-se em um palco de disputas comerciais entre as potências europeias.3

Essa mudança na perspectiva econômica do Estado baseia-se em movi-mentos concomitantes: a superação das guerras religiosas na França e ao resultado das revoluções políticas na Inglaterra seiscentista. Assim, após a resolução de conflitos internos, os franceses vão enfrentar o poder he-gemônico dos espanhóis. Os ingleses, por sua vez, obtiveram sucesso no combate à primazia comercial dos holandeses.4

Não podemos esquecer o fato de que a guerra e a estratégia militar tornaram-se, cada vez mais, dispendiosas na Europa pós-Guerra dos 30 Anos (1618-1648). No alvorecer do século XVIII, a guerra havia se tornado extremamente onerosa, tanto pelo desenvolvimento de novas tecnologias militares, como pelo envolvimento das potências europeias em sucessivas guerras. O resultado foi a necessidade de manutenção de exércitos permanentes, treinados, abastecidos e prontos para entrar em combate, abando-nando, assim, o velho costume de dispensar infantes ao final dos conflitos.5

Resolvidos os conflitos domésticos e estabelecido um novo status quo político, a Inglaterra passará a expandir seu aparato administrativo, que será responsável não apenas por seu território no Velho Mundo, mas tam-bém por seus súditos e suas colônias no além-mar. No auge de suas ativi-dades expansionistas, os gastos do governo britânico passaram de cerca de 2 milhões de libras – valor médio de gasto em períodos de paz – para 150 milhões de libras, um aumento de aproximadamente 75 vezes.6

A solução da Coroa inglesa para essa pressão financeira foi mobilizar empréstimos particulares. Desde a Idade Média, os soberanos endivida-dos recorriam à comunidade bancária internacional para financiar suas aventuras militares. Ao final do século XVII, no entanto, os mecanismos de captação de fundos tornaram-se muito mais diversificados e comple-xos, requerendo uma administração governamental igualmente complexa. Nesse contexto, os ingleses batizaram seu sistema de “Crédito Público” ou de “Dívida Nacional”. Para a operação regular desse sistema, foi decisiva a fundação do Banco da Inglaterra nos anos de 1690, que passou a cen-tralizar e a administrar a captação dos empréstimos, além de estimular a

barganha de papéis do Tesouro nas bolsas de Londres e Amsterdã.7

Assim, o status quo político britânico do período de prevalência Whig, que se estende da Revolução Gloriosa (1688-89) até meados do século XVIII, é baseado no Crédito Público (sustentação econômica), no Exército e na Marinha de Guerra permanentes (sustentação militar) e na patronagem do rei com o partido Whig no Parlamento (sustentação política).8

Juntos, a guerra e o comércio foram os motores do desenvolvimento eco-nômico britânico. Entre justificativas ideológicas e a necessidade de com-preender e de melhor administrar os resultados desse processo vemos o uso instrumental da economia política. De sua acepção original – o governo do Es-tado como uma grande Casa9 – as ideias econômicas vão servir para calcular e maximizar os benefícios da colonização das extensas áreas do ultramar.

O argumento apresentado até aqui não se afasta da visão que usual-mente associa ideias econômicas ao mercantilismo e a um conjunto de con-cepções desenvolvidas, na prática, por ministros, juristas e comerciantes, com objetivo econômico, político e estratégico: o estabelecimento de Es-tados Nacionais centralizados. Partindo dessa interpretação, o receituário mercantilista estava baseado em um intenso protecionismo estatal e em uma ampla intervenção das Coroas na economia. Uma forte autoridade central era tida como essencial para a expansão dos mercados e para a proteção dos interesses comerciais dos mercadores locais. Sua aplicação variava, no entanto, conforme a situação do país, seus recursos e o mo-delo de governo vigente. Na Holanda, por exemplo, o poder estatal era subordinado às necessidades do comércio. Na Inglaterra e na França, por sua vez, a iniciativa econômica estatal estava relacionada aos interesses militares, geralmente agressivos em relação às outras potências europeias. Os mercantilistas, limitando sua análise ao âmbito da circulação de bens,

aprofundaram o conhecimento de questões como balança comercial, taxas de câmbio e movimentos de dinheiro.10

Outra transformação fundamental foi a da própria concepção de merca-do, agora baseada em noções do direito natural, estabelecidas nas primei-ras décadas do século XVIII. Partindo do argumento de que Deus criou o mundo perfeito e bondoso, além da ideia de que tudo que há no mundo está submetido a leis naturais para proporcionar a conservação e a felicida-de dos homens, acreditava-se que o plano divino só iria se realizar quando cada indivíduo agisse conscientemente para melhorar sua própria condi-ção. O direito natural seria, então, um dos fatores responsáveis por colo-car o homem no centro das especulações filosóficas e, consequentemente, pelo desenvolvimento de um novo espírito científico, que seria guiado pela racionalidade, principal instrumento utilizado pelos indivíduos para decifrar o mundo em que viviam sem recorrer a explicações transcenden-tais. Essa mudança de concepção de mundo origina um processo de secu-larização, sendo uma de suas características a emergência de diversas disciplinas intelectuais, cada uma com sua especialidade e, posteriormente, seus especialistas.11

Já a associação entre a história natural e o discurso econômico autônomo vem da vontade de se compreender o funcionamento material do mundo natural, que, cada vez mais, fazia-se presente no decorrer do século XVIII. Entre as motivações por trás do interesse público pelas novas ciências do mundo natural, podemos citar a utilidade e a aplicação delas na solução de problemas da vida real. Cria-se, então, uma estreita relação entre as ciências naturais e as questões de caráter econômico, pois várias concep-ções originariamente das ciências da natureza – como ordem, equilíbrio e regulação – são absorvidas pelo discurso econômico em formação.12

A economia política torna-se, assim, mais complexa do que o ideário mercantil, por trazer para seu escopo de análise as relações econômicas entre os indivíduos e a tentativa de estabelecer leis que explicassem de forma abrangente essas relações.13 Tal processo de valorização do indivíduo também leva à primazia do econômico sobre a política pública. Trata-se, no entanto, de um movimento mais sutil, pois tem um viés filosófico e cultural, agregando a transição da hegemonia da ideia de glória – típica da Idade Média e do início da Idade Moderna – para a noção de interesse, fun-damental para o controle das emoções pessoais (paixões) e reguladora de uma nova ordem política, em que a expansão econômica levaria bem-estar à maior parte da população.14

Para o Reino de Portugal e para os soberanos da Casa de Bragança, as últimas décadas do século XVII foram de luta por sua autonomia e por reconhecimento internacional. O período da Guerra da Restauração (1641-1668)15 foi de disputa nos paradigmas governativos da Coroa: como maxi-mizar a eficiência das engrenagens do poder e do esforço de guerra contra inimigos nas fronteiras do Reino e do Império?

Com os Bragança, os tribunais régios passaram a ter predominância na estrutura de governação, servindo de contraponto ao modelo governati-vo de Madri, baseado principalmente em Juntas e Validos.16 Então novas instâncias governativas superiores foram criadas ou receberam novos regi-mentos, como o Conselho de Estado, o Conselho de Guerra, o Conselho

deveriam ser compreendidos por analogias aos fenômenos naturais, mas eram vistos como uma extensão da natureza. O discurso econômico era considerado parte da filosofia natural, e não uma ciência humana (SCHABAS, 2005).

Ultramarino e a Junta dos Três Estados. A gestão das políticas régias dava--se pelo diálogo e pelas disputas por influência entre esses conselhos supe-riores, que centralizavam a administração diplomática, militar, financeira e patrimonial da Coroa. Além disso, esses conselhos deviam responder e arbitrar demandas oriundas dos espaços periféricos do Império.17

Mas esse processo de reorganização das esferas de governança da mo-narquia portuguesa não foi unívoco. Ainda nos anos mais conturbados de guerra com os Habsburgos, o controle da governança da Casa Real e dos processos políticos da Coroa ficou a cargo de Luís Vasconcelos e Sousa, 3º Conde de Castelo Melhor. Durante quase cinco anos completos (16621667) Castelo Melhor assumiu o cargo de Escrivão da Puridade, com uma gestão dos assuntos públicos próxima dos privados espanhóis.18

Percebemos, então, que diversos paradigmas governativos para a Coroa portuguesa ainda estavam em disputa em fins do século XVII. O modelo mercantilista de consolidação estatal avançará no reinado de D. João V, cuja longa duração (1706-1750) será o momento de atuação de D. Luís da Cunha. Ainda no início desse reinado alguns acontecimentos marcaram a percepção de que reformas governativas eram necessárias. A Guerra de Su-cessão (1701-1714) pelo trono espanhol demonstrou que a doutrina militar portuguesa, um sucesso durante as lutas da Restauração, já não respon-dia às necessidades dos novos campos de batalha. Uma modernização era necessária, por exemplo, na escolha dos comandos militares, geralmente cedidos à primeira nobreza do Reino. Além disso, o processo de toma-da de decisão em Lisboa passou a demandar maior agilidade, o que ficou demonstrado pelo novo prestígio que as Secretarias de Estado alcançam frente aos Conselhos e a outras esferas de decisão coletivas.19

Outra mudança significativa foi o papel de destaque que a diplomacia de representação ocupou na política da Coroa portuguesa. Muita ênfase é dada nas relações de Lisboa com a Santa Sé, com os Bragança demandando paridade de tratamento com as outras grandes potências católicas no seu

relacionamento com o Papado, objetivo atingido com o título de Sua Ma-jestade Fidelíssima concedido aos monarcas portugueses pelo Papa Bento XIV em 1748. Mas nas primeiras décadas do século XVIII a diplomacia portuguesa também foi atuante em congressos que buscavam pacificar o continente europeu e estabelecer um novo status quo dinástico e o reco-nhecimento de novas dimensões para conceitos como o de limite – agora significando limite de poder / soberania: a partir do Congresso de Utrecht (1713-1715) a contradição entre a crença no cosmopolitismo e a necessi-dade de definir fronteiras será arbitrada pela diplomacia e pelos rituais do cerimonial diplomático.

O poder próprio em que se funda a conservação de Portugal, ou são as forças interiores do Reino ou as exteriores das Conquistas (...) porque, posto que o poder militar conste e se componha de gente, armas, munições, cavalos, etc., tudo isto se reduz a dinheiros (Padre Antônio Vieira).20

Possivelmente, o homem que melhor compreendeu a nova conjuntura internacional, suas disputas e seu novo balanço de poder foi D. Luís da Cunha (1662-1749).21 Servindo como representante diplomático nas prin-cipais cortes da Europa, D. Luís viveu parte de sua vida no estrangeiro, onde entrou em contato com as novas ideias do século e participou ativa-mente, ou como observador, de grandes conferências diplomáticas, como as que finalizaram os acordos de paz de Utrecht (1713-1715).

Assim, podemos colocá-lo, ao lado de Luís António Verney (17131792), como um dos arquétipos dos estrangeirados, letrados que, à sombra do Estado, tentavam adaptar as ideias e a epistemologia do novo século ao contexto português.22 Defensor da razão de Estado,23 foi hábil em mon-

tar uma rede de poder por meio de suas opiniões e conselhos, difundidos através de missivas, memórias e instruções. Em especial, dois desses textos esboçam, com clareza, sua visão da geopolítica portuguesa e os caminhos que deveriam ser trilhados por aqueles que assumissem as rédeas do poder em Lisboa: as Instruções políticas, redigidas para seu pupilo Marco Antônio de Azevedo Coutinho (1688-1750), e seu Testamento político, encaminhado ao futuro rei D. José I (1714-1777).24

O primeiro dos textos citados aborda diretamente o tripé estratégico da prosperidade econômica, da força militar e da liderança política. A primei-ra preocupação que D. Luís da Cunha externa ao seu discípulo é o fraco equilíbrio entre os interesses portugueses e os de seus vizinhos espanhóis. Era prioridade, então, diminuir as vantagens comparativas que o governo de Madri exibia frente ao poder dos secretários de Estado em Lisboa, pois somente dessa maneira a soberania política do Reino de Portugal estaria definitivamente assegurada.

O raciocínio de D. Luís segue a lógica das ideias mercantilistas: as vanta-gens espanholas estavam baseadas em sua população mais numerosa, em sua maior extensão geográfica – tanto no Velho, como no Novo Mundo – e no maior poderio econômico e militar que seus territórios e sua popula-ção propiciavam. O fato de o território português na Europa ser diminuto poderia ser contornado com a consolidação da soberania portuguesa sobre os domínios do além-mar. Tais domínios deveriam ser assegurados pela assinatura de tratados que legalizassem a posse das terras já sob controle português e pelo estabelecimento de fronteiras naturais que viabilizassem a defesa militar e o controle econômico.25

Já em relação à defasagem populacional, era preciso estancar as “sangrias” que levavam ao despovoamento do Reino e à ociosidade.26 Seguro

que comumente se chama razão de Estado, entendo-a no seu verdadeiro sentido, e não no que ela se pratica, que no fundo não é a razão de Estado, mas sem-razão do príncipe, o qual, com o pretexto de segurar o que possui, procura usurpar o que lhe não toca.” Cf. CUNHA, 2001, p. 201.

24 CUNHA, 2001; Testamento Político de D. Luís da Cunha (1748) (1976). Segundo Abílio Diniz Silva, as Instruções políticas foram redigidas em sua forma final no ano de 1736. No entanto, várias das ideias apresentadas ali já haviam aparecido na correspondência de D. Luís nas décadas anteriores.

pelo fato de estar servindo no exterior e com o conhecimento de que sua Instrução circularia entre um público restrito, D. Luís da Cunha não temeu denunciar, às vezes com comentários heterodoxos, as causas do problema.

O grande número de conventos e mosteiros existentes no Reino era a primeira sangria a ser estancada. Esse fator era culpado por entravar o investimento produtivo, devido às doações realizadas pelos devotos. Em muitos casos, os donativos tornavam-se bens inalienáveis das comuni-dades religiosas, que possuíam vastas extensões de terra ociosas ou que produziam apenas para a subsistência ou lucro dos religiosos. Assim, os claustros estavam repletos de homens que poderiam ser úteis na admi-nistração do Império e no setor produtivo. Os recolhimentos femininos também eram prejudiciais aos interesses do Reino, pois nesse processo ficavam empatados dotes necessários como capitais e mulheres sem a mí-nima vocação religiosa.27

Nesse mesmo sentido, a situação dos recolhimentos nas conquistas era ainda mais preocupante. Essa segunda sangria poderia levar à perda do Im-pério, seja pela falta de homens na administração civil e militar ou “onde se necessita de gente que trabalhe nas suas plantações e nas suas minas, para aumentar o seu comércio”, seja pelos gastos elevadíssimos de manu-tenção dos celibatários. No entanto, D. Luís deixou claro que a solução deve abranger tanto o Reino como o ultramar, pois todos os territórios da monarquia enfrentavam o mesmo problema.28

marinha mercante e de guerra. A produção agrícola doméstica incentivava a desoneração da balança comercial pela diversificação dos produtos para exportação e pela redução das importações de alimentos. “O primeiro que me representa, é o de evitar que o corpo do Estado seja em tantas veias, e por tantos modos sangrado; porque sendo povo o seu sangue, segue-se que ele se enfraquece todas as vezes que se lhe diminui; e assim a boa razão nos deve persuadir que os muitos homens são as verdadeiras minas de um Estado, porque sem-pre produzem e nunca se esgotam. Mas que homens, meu Filho? Homens que trabalhem nas terras que por falta deles ficam incultas; homens que por serem muitos, se apliquem a tudo o que lhes pode dar de comer, porque não há algum que queira morrer de fome, e enfim, homens que sirvam ao príncipe e à república por terra e por mar, com utilidade do comércio.” Cf. CUNHA, 2001, p. 218.

O diagnóstico da terceira sangria é uma das passagens mais polêmicas dos escritos de D. Luís da Cunha. O alvo de sua crítica é a Inquisição29 e, em tal passagem, escutamos os ecos do protesto do Padre Antônio Vieira (1608-1697), que, na conjuntura histórica da Restauração (1640) e da luta pela retomada da soberania da corte em Lisboa, defendeu uma política de tolerância para os judeus, devido à necessidade de capitais na economia portuguesa.30

Para D. Luís, “o procedimento da Inquisição, em lugar de extirpar o judaísmo, o multiplica” e ainda “faz sair de Portugal a gente mais própria para seu comércio”. Alguns “remédios” são propostos: a adoção das etapas processuais utilizadas nos tribunais régios, a obrigação de os bens confisca-dos serem restituídos aos herdeiros dos réus e, finalmente, um perdão ge-ral sucedido pela decisão de “dar aos judeus a liberdade de consciência”.31

A melhora da exploração do território e o fomento do crescimento da população produtiva deveriam ser acompanhados por uma nova política de alianças e pelo fortalecimento do poderio militar da Coroa. Nas ques-tões militares, D. Luís defendia a formação de uma esquadra de guerra e de uma marinha mercante, para a nacionalização efetiva do comércio ul-tramarino e para a defesa do Império. O Exército, por sua vez, deveria ser profissionalizado, para que pudesse garantir, ao menos, a defesa do Reino e dos territórios ultramarinos. Esses objetivos só seriam realizados em lon-go prazo. Enquanto não se chegasse a tal estruturação, não havia meios de fugir da aliança inglesa e do apoio de sua marinha de guerra.32

tal o prejuízo que se faz à república.” Cf. CUNHA, 2001, p. 224.

Se a riqueza é resultado da circulação dos bens, o comércio é a chave da prosperidade das nações. Ao identificar os obstáculos ao fortalecimento do comércio português, D. Luís demonstra os limites de suas ideias. Uma leitura apressada mostra um reformador disposto a arcar com as conse-quências de uma mudança social mais profunda: mera ilusão. Sua primeira sugestão para aumentar a prosperidade do comércio é a reforma dos abusos dos privilegiados, “porque os tributos e encargos de que estes são isentos carregam sobre os mesmos povos e, por consequência, prejudicam a fazen-da real”. Em destaque estavam os familiares do Santo Ofício, homens que ganhavam distinção por irem “prender quatro miseráveis judeus, se é que o são” e nada mais queriam do que ser reputados cristãos-velhos. D. Luís não aprofunda a discussão em torno dos privilégios tributários da nobreza e do clero. Sua posição como homem do Antigo Regime fica nítida em duas de suas sugestões: a elevação de famílias nobres a Casas de Primeira Nobreza, assim seus membros estariam aptos assumir o governo das províncias do Reino e das conquistas;33 e a reorganização das ordens honoríficas, com a valorização da Ordem de Cristo, que, entre as portuguesas, tinha o maior prestígio internacional, de forma a não trivializar sua atribuição.

Outras medidas em busca do equilíbrio da balança comercial são propostas por D. Luís, entre elas uma renovação das pragmáticas sobre o luxo. Para o autor, há uma divisão entre o “luxo profano” e o “luxo devoto”. O profano é aquele que acompanha as modas, “que pode contentar a ambição ou loucura dos homens”, moldando novos padrões de consumo, em que os gostos da alta aristocracia passam a ser referência para a sociedade. Essa espécie de luxo não poderia trazer benefícios ao Reino: seus bens eram pro-duzidos no exterior – geralmente na França – e oneravam as importações.34

O “luxo devoto”, por sua vez, era pernicioso, pois, além de limitar o meio circulante do Reino, dele “nasce que o ouro que se perde em dourar tanto pau, deixa de circular entre o povo, que pagaria as coisas pelo seu jus-to preço”.35 Além disso, essa segunda espécie de luxo também restringia o crédito necessário para dinamizar a economia. Nesse ponto do raciocínio, D. Luís criticou outra instituição presente por todo o Império português: a Santa Casa de Misericórdia. Irmão ausente da Casa de Lisboa, o diplomata defendia o bom costume de dar esmolas e o cuidado com os mais necessi-tados. O problema era, no entanto, o péssimo hábito dos que acreditavam que más ações seriam perdoadas àqueles que dessem esmolas substantivas à instituição e o empate de capitais nos cofres das Misericórdias.36

Outro aspecto da devoção portuguesa não passou incólume ao olhar crítico de D. Luís: o número excessivo de festividades e feriados religio-sos. O objetivo da crítica é combater a ociosidade, “porque a ociosidade, sobre ser contrária ao bom governo, é mãe de todo vício”. Era um “luxo” sacrificar dois terços dos dias do ano em contrição e demonstrações pú-blicas de fé. Era aceitável que os homens participassem das festividades e acompanhassem suas missas, desde que o resto do dia fosse ocupado com atividades produtivas. Flertando com a heresia, D. Luís cita o exemplo dos países protestantes, que guardavam apenas os domingos e o período da Páscoa. Nesses países, o respeito ao trabalho produtivo e a condenação da ociosidade aumentavam a riqueza do Estado e não desviavam os fiéis do caminho da retidão.37

que seja imoderado, de vestir custosamente e adornar ricamente as casas, mas é necessário e conveniente.” Cf. MACEDO, 1974, p. 203-204. Para as polêmicas em torno da economia do luxo em Portugal, cf. CARDOSO, 1997, p. 81-99.

35 CUNHA, 2001, p. 286.

Uma solução para o “luxo profano” era retomar a política manufatureira do reinado de D. Pedro II (1667-1706). Capitaneado por D. Luís de Mene-zes, 3º Conde de Ericeira (1632-1690), esse esforço tentou reequilibrar as finanças públicas em uma conjuntura de crise. A Coroa portuguesa sacava do comércio colonial e dos direitos cobrados nas alfândegas parcela signi-ficativa das suas receitas, o que tornou trágica para o Estado a redução das trocas comerciais e a baixa dos preços das mercadorias portuguesas durante o último quartel do século XVII. Além da crise internacional, as despesas da Guerra de Restauração (1641-1668) resultaram na falta de moeda – decorrência dos gastos no conflito –, no aumento das importações e na diminuição do fornecimento de prata da América espanhola.38

A diminuição dos rendimentos do Estado, combinada com a falta de meios de pagamento no cenário internacional, levou a Coroa a decidir por uma reforma monetária baseada na desvalorização e em um novo proces-so de cunhagem. O problema era o déficit incontornável das importações de manufaturados e de alimentos, além da necessidade de abastecimento da cidade de Lisboa.39

Nesse contexto, surgiram as primeiras pragmáticas e textos de autores como Duarte Ribeiro de Macedo defendendo a instauração de manufaturas no Reino para substituir as importações e equilibrar a balança comercial. Um dos setores mais fortalecidos pelo apoio estatal foi o de lanifícios, item que pesava no resultado do déficit. Da mesma forma, a produção de panos de linho era difundida por diversas regiões do país e, tradicionalmente, ti-nha parte no abastecimento do Reino e do Império. Novas unidades fabris receberam o beneplácito régio e foram instaladas em regiões com tradição

indo de manhã e de tarde à igreja, ouvir a palavra de Deus pela boca dos seus pregadores, que lhes explicam pura e simplesmente o texto que tomam do Evangelho, e os ouvintes de ambos os sexos os leem com grande atenção, sem que os predicantes lhe ajuntem conceitos ou hipérboles; nem trocam as Escrituras para provarem os seus tais ou quais pensamentos, que é uma grande ofensa que se faz à palavra divina; e nós nos contentamos de ouvir devo-tamente uma missa, que nos parece larga se passa de uma meia hora. E como celebram as quatro Páscoas? Também o direi. Recolhendo-se as suas casas, para nelas examinarem as suas consciências e comungarem, segundo a sua herética crença, quando nós apenas o fazemos na Páscoa da Ressurreição, por satisfazer no exterior ao preceito da Igreja, com medo da exco-munhão, que eles não temem. Deus santificou somente os sábados, que são hoje os nossos domingos, como dias de descanso, depois de haver trabalhado nos mais, ainda que com um só Fiat na admirável composição do universo, e não para que abusemos desta ociosidade, como praticamos; antes o louvemos desta sua incompreensível obra, e mereçamos, se é que podemos merecer, a sua infinita misericórdia” (CUNHA, 2001, p. 289).

38 Cf. PINTO, 1979, p. 1-38; Cf., também, PEDREIRA, 1994, p. 21-63.

39 Cf. PEDREIRA, 1994, p. 23-24.

no ofício e com grande disponibilidade de matéria-prima (Serra da Estrela e Alentejo). As manufaturas consideradas “centrais” ficaram na Covilhã e em Estremoz.40

Ao elogiar a política manufatureira do século anterior, D. Luís da Cunha mostrava-se cético ao Tratado de Methuen (1703). Assim, as vantagens políticas do pacto eram evidentes, já as econômicas nem tanto. A proteção da esquadra inglesa e a legitimidade fornecida pela aliança com ingleses, austríacos e holandeses, resguardavam Portugal do avanço francês sobre o trono espanhol. O problema, segundo o diplomata, era a inconsistência do argumento defendido pelos produtores e tecelões ingleses: a entrada de vinhos portugueses na Inglaterra deveria ser compensada com a saída de tecidos britânicos em condições recíprocas. Em sua análise, as con-sequências dessa política e da suspensão da pragmática que protegia as manufaturas de tecido do Reino foi o aprofundamento do déficit no saldo comercial português.41

A retomada da prosperidade econômica não seria, no entanto, resultado do equilíbrio das desvantagens frente aos vizinhos espanhóis, da aliança inglesa, da estabilidade das finanças estatais, de uma visão mais pragmá-tica da vida religiosa e da tolerância com os judeus e seus capitais. Assim, para Portugal estabelecer-se como potência de primeira grandeza era ne-cessário ter o controle efetivo das riquezas do Império. D. Luís é explícito

em sua instrução: “as conquistas que supus ser um acessório de Portugal, eu as tenho pelo seu principal e ainda garantes da sua conservação, princi-palmente as do Brasil”. Estamos diante de uma inversão curiosa: a relação entre Portugal e o seu Império sempre fora posta nos termos de que o Rei-no, enfraquecido no contexto europeu, deveria proteger suas conquistas da cobiça de potências rivais. Agora, as riquezas dos domínios ultramari-nos deveriam reforçar o prestígio português na Europa.42

Para que a riqueza de Portugal não gerasse apenas a prosperidade alheia era necessário transformar as conquistas, as possessões e os domínios do ultramar em colônias de fato. O controle mais racional dos recursos da América portuguesa fatalmente levaria a Coroa portuguesa para seu lugar entre as principais potências europeias.43

Ainda em suas instruções, D. Luís demonstra ter uma visão global do Império, propondo políticas para os domínios do Oriente e África. Tais políticas deveriam diminuir os gastos da Coroa, liberando recursos para o governo da América. Esse é o objetivo de sua proposta de criação de uma Companhia de Comércio de Índia e África.44

Era necessário constituir uma companhia que mantivesse o fornecimen-to de escravos negros para o Brasil, que abrisse o caminho pela hinterland africana – ligando Angola e Moçambique – e que explorasse as riquezas minerais ali existentes. A mesma companhia deveria substituir os con-tratadores do tabaco, pois, dessa maneira, a Fazenda Real ficaria segura contra o risco de falência desses e de perda de seu arrendamento. A soma do privilégio do exclusivo seria outra fonte de rendimentos para a Coroa, podendo ser renegociado sempre que o prazo de cessão expirasse.

Em relação ao Oriente, “a primeira utilidade desta companhia seria pou-par a Sua Majestade a despesa que faz em sustentar o Estado da Índia, que dizem exceder muito ao lucro que dela tira”. Os navios da companhia, montados no Reino, serviriam não apenas para o esforço de defesa dos domínios orientais, mas também distribuíram seus produtos nos mercados do norte da Europa. O capital para todo o negócio seria levantado entre a comunidade de cristãos-novos exilados e, até mesmo, em grupos mercantis de outros Reinos.45 Tudo dependeria do apoio régio à empreitada, compro-misso que seria estabelecido com a extinção da Casa da Índia e do Juiz da Índia e Mina, podendo os futuros litígios ser da alçada do juízo cível. Isso demonstraria que a Coroa não era a única parte interessada nesse trato.46

Já no que diz respeito à América portuguesa, – o Brasil de D. Luís –, a expansão da economia deveria basear-se no trabalho, no comércio e no aprimoramento da fiscalização. O trabalho não ficaria apenas a cargo da mão de obra escrava nas grandes propriedades, mas contaria também com a entrada de estrangeiros aptos a desenvolver outras culturas além do açú-car e do tabaco, como o benefício do cacau, da baunilha, da cochonilha e do índigo, por exemplo. A diversificação da produção é tida, então, como elemento fundamental para a prosperidade do comércio. Sendo assim, os estrangeiros e os portugueses natos embarcados rumo ao Brasil deve-riam ter a entrada dificultada na região das minas. Essa política deveria ser acompanhada de medidas contra o risco de revolta dos escravos.47

Outra questão importante era a má arrecadação do quinto do ouro. Um tema delicado, pois mexia com os interesses e a lealdade dos vassalos ame-

ricanos. A passagem das instruções que trata desse ponto é bastante inte-ressante. Nela, D. Luís relata um diálogo com um judeu nascido no Rio de Janeiro. Segundo o exilado carioca, o problema da arrecadação estava nas casas onde “se quintava” o ouro. Ali reinava a corrupção entre os funcioná-rios régios, sempre dispostos a não registrar parcela do metal apresentado. A solução seria, então, aplicar o quinto não no metal precioso extraído e apresentado, mas nos produtores individualmente.48 D. Luís mostrou-se cético em relação à proposta, pois quanto maior fossem os ganhos da Co-roa menor seriam os lucros dos mineiros. Todo cuidado era pouco ao lidar com os povos das Minas, “gente tão ambiciosa e de tão maus princípios”, sempre no limiar da revolta.49

É preciso ressaltar que esse é um dos poucos tópicos nos quais D. Luís se escusa de dar uma opinião, de elaborar um projeto. Ao lidar com a ques-tão da tributação, o diplomata chegou àquele que seria o grande dilema de uma geração futura de reformadores portugueses: como é possível um pequeno Reino controlar um território mais vasto e mais rico sem expor os nexos de sua dominação? Como extrair a riqueza americana para gerar a prosperidade de Portugal sem levantar resistência? Era necessário estreitar os laços entre ambos os territórios, pois o rei “para poder conservar Portugal necessita totalmente das riquezas do Brasil e de nenhuma maneira das de Portugal, que não tem, para sustentar o Brasil”.50

Um novo modelo de interdependência econômica entre as partes do Império era a resposta ao dilema. Para isso, era necessário desenvolver a economia do Reino, fortalecendo seus mercadores, incentivando as prá-ticas mercantis e remunerando com mercês aqueles que investissem no comércio imperial.

5 Considerações finais

O projeto de D. Luís marcou o início do uma grande estratégia para o Im-pério. Sem abandonar ideias presentes em autores portugueses do século anterior e respeitando os limites do sistema de remuneração por mercês tradicional da sociedade portuguesa, o diplomata estabeleceu uma pauta de mudanças que seria uma referência para os reformadores que o sucederam.

Por que podemos falar em uma grande estratégia? As primeiras décadas do século XVIII não são apenas um período de aumento das tensões in-ternacionais, mas também a ocasião na qual Portugal passa a ter meios de planejar seu futuro, seja financiado pelo ouro do Brasil, seja pelos recur-sos poupados por sua política consciente de neutralidade europeia. Nesta oportunidade, a Coroa portuguesa abandonou a participação ativa nos conflitos armados europeus e adotou uma política de neutralidade que perduraria, com breves momentos de disputa com os vizinhos espanhóis, por quase todo o século. D. Luís da Cunha articula em suas Instruções um plano baseado na leitura das dificuldades que o Império português en-contrava e enfrentaria em um cenário internacional com outros poderes e centros políticos mais fortalecidos. Seu problema era estabelecer um plano de ação, um curso, para que Portugal pudesse sobreviver em um contexto muitas vezes hostil.

Também podemos perceber uma estratégia no fato de que a partir dos escritos de D. Luís da Cunha a economia política tornou-se uma ferramen-ta de percepção da realidade econômica e um instrumento de viabilização de um projeto de reformas. O Império será pensado não com a ideia de conquista, expansão da fé e outras características do ideário da expansão ultramarina dos séculos XV e XVI, mas a partir de uma perspectiva utilitá-ria basicamente econômica.

Apostando na centralidade econômica do Brasil, com a riqueza de suas minas, a diversidade de sua produção agrícola e suas infinitas possibili-dades comerciais, D. Luís imaginava um futuro em que a monarquia não fosse ameaçada pelo temor de uma nova União Ibérica, onde os interesses comerciais britânicos não teriam primazia sobre os dos vassalos portugue-ses e a totalidade do Império poderia se inserir de forma mais próspera no concerto das nações.

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Sobre os autores

Nelson Mendes Cantarino – nelsonmc@unicamp.br

Professor de História Econômica no Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6878-4479.

Fernando Ribeiro Leite Neto – fernandorln@insper.edu.br

Professor no Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER), São Paulo, SP, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7932-3440.

Nelson Mendes Cantarino agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Este artigo é resul-tado parcial do projeto associado ao auxílio à pesquisa processo nº 2018/04642-0.

Sobre o artigo

Recebido em 12 de julho de 2018. Aprovado em 01 de junho de 2019.

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